segunda-feira, 28 de setembro de 2015

A França atacou o jihadismo na Síria

A contínua chegada à Europa de milhares de refugiados, provenientes sobretudo da Síria e de outros países em guerra, parece ter acordado as autoridades europeias, depois de mais de quatro anos de destruição e morte, com o apoio não assumido de alguns países europeus, sobretudo no que respeita ao fornecimento de armas a todas as forças anti-Assad. Tal como Saddam Hussein ou Muammar al-Kaddafi, o presidente Bashar al-Assad não será um modelo de democrata mas tem uma educação ocidental, embora seja muito hostilizado pelo ocidente talvez porque esteja no centro de uma luta de interesses estratégicos e de um conflito étnico-religioso que ultrapassa as suas fronteiras. Lamentavelmente, os mesmos estrategas ocidentais que não perceberam que o desaparecimento de Saddam Hussein ou Muammar al-Kaddafi iria desequilibrar os seus domínios e levaria à grave anarquia e à ascensão de poderes tribais nesses países, também se voltaram a enganar em relação à Síria e levaram ao aparecimento do Daesh ou Estado Islâmico.
Durante mais de quatro anos, nem os Estados Unidos, nem a Rússia, nem os aliados de cada uma dessas potências, conseguiram parar a guerra, sobretudo porque os americanos e os europeus tinham como ponto de partida que Bashar al-Assad abandonasse o poder. Confrontados com males bem piores, os europeus têm vindo a suavizar a sua agressividade em relação a Bashar al-Assad e começam a aceitar discutir com ele um governo de transição. Hoje, à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas, Barack Obama e Vladimir Putin vão encontrar-se para falar da Síria e da Ucrânia.  
Entretanto, perante as repetidas ameaças de intervenção do Daesh em território francês, a França decidiu intervir em nome da sua segurança nacional e “em legítima defesa”, mesmo sem integrar a coligação internacional que combate o Daesh. Ontem, seis aviões franceses, cinco deles Rafale, atacaram e destruíram um campo de treino jihadista na Síria, depois de ter sido verificado que as populações civis não seriam molestadas e muitos jornais franceses destacaram e apoiaram esta acção. Esta intervenção tem, entre outros, o significado de que a França quer estar à mesa das negociações de paz. Então, que essas conversações venham depressa.

Catalunha: meia vitória ou meia derrota?

Realizaram-se ontem na Catalunha as eleições regionais e verificou-se uma participação histórica de 77% dos eleitores. Hoje, a generalidade dos jornais espanhóis tem nas suas primeiras páginas uma das duas frases seguintes: os independentistas catalães ganharam ou os independentistas catalães não ganharam. O diário El País sintetizou os resultados com a frase “os independentistas ganham as eleições e perdem o seu plebiscito”.
O Parlamento catalão tem 135 lugares e, por isso, a maioria é constituida por 68 deputados. A coligação independentista Juntos por Si (JxSi) teve 62 deputados, mas com os 10 deputados independentistas da Coligação de Unidade Popular (CUP) perfazem uma maioria independentista de 72 deputados. Nessas circunstâncias, os independentistas ganharam e dizem-se legitimados para “seguir em frente”.
Porém, as candidaturas independentes não alcançaram sequer 48% dos votos expressos e, nessa perspectiva, o sentido plebiscitário da votação não lhes foi favorável, isto é, houve 52% de catalães que “disseram não à aventura secessionista”. Além disso, nas quatro províncias da Comunidade Autónoma da Catalunha os resultados também não desequilibraram: os independentisrtas ganharam em Leide (63%) e em Girona (64%), mas perderam em Barcelona (44%) e em Tarragona (49%).
Estamos portanto perante uma meia vitória ou uma meia derrota dos independentistas catalães? O tempo o dirá.

domingo, 27 de setembro de 2015

A encruzilhada catalã e o futuro próximo

Hoje os catalães estão a votar e, como salienta o diário El Periódico de Barcelona, destas eleições-plebescito irão resultar sérias consequências para a Catalunha: a ruptura unilateral com a Espanha, uma reforma profunda dentro de uma Espanha unida ou a manutenção do actual status quo. Haverá vencedores e vencidos. A unidade da Espanha corre sérios riscos de entrar num processo de desmembramento que, numa primeira fase, pode vir a criar muita instabilidade social e muitos problemas económicos aos nossos vizinhos, mas também ao nosso país.
A Catalunha é uma região com um forte sentimento nacionalista e é uma nação reconhecida pela Constituição espanhola, com língua e cultura próprias. Com 7 milhões e meio de habitantes e fortemente industrializada, é a mais rica autonomia espanhola, contribuindo para a economia de Espanha com mais do que aquilo que recebe do governo de Madrid, o que contribui para o descontentamento dos sectores catalães tradicionalmente mais nacionalistas.
Apesar destas eleições autonómicas não terem sido convocadas por razões relacionadas com os desejos independentistas, exactamente para evitar os riscos de eventual inconstitucionalidade, a coligação independentista Juntos pelo Sim, que agrega vários partidos e forças políticas, nomeadamente a Convergência Democrática da Catalunha (CDC) de Artur Mas e a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) de Oriol Junqueras, que já estão coligados no actual governo, são independentistas e são os favoritos nas eleições de hoje. Há quem tema que, ainda hoje, possam festejar a vitória e anunciar o início de um processo de separação da Espanha. É uma grande encruzilhada para os catalães e para o seu futuro próximo.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

O Brasil e a desvalorização do real

A última edição da revista Veja mostra na sua primeira página um crocodilo de boca aberta pronto para abocanhar o Estado brasileiro, aproveitando a mandímbula superior para desenhar os gastos do governo (ascendentes) e a mandíbula inferior para desenhar o crescimento do PIB (descendente). Na sua simplicidade, o problema está bem apresentado, isto é, a despesa crescente do Estado não pode ser suportada por economia em recessão.
Acontece que nas sociedades modernas o Estado é chamado a cumprir as funções de soberania, mas também outras funções económicas e sociais, estando presente em todos os sectores da sociedade desde a segurança à defesa, passando pela justiça, saúde, educação, obras públicas, economia, solidariedade e segurança social, cultura, entre muitas outras. Para fazer face a todas estas funções o Estado faz muita despesa e, porque as necessidades tendem a aumentar, a despesa também tende a aumentar. É portanto necessário que a economia crie mais riqueza, para poder proporcionar ao Estado o recebimentro de mais impostos directos e indirectos.
Porém, o Brasil atravessa um período de recessão e, por isso, o PIB diminui em vez de aumentar. Vem a receita do costume: reduzir despesas e aumentar impostas e taxas. Além disso,  vem também a desvalorização da moeda, para que as importações sejam mais caras e as exportações sejam mais baratas. Assim está a ser feito. Há um ano o dólar valia R$ 2,39 e, conforme titulam os jornais de 23 de Setembro, agora o dólar ultrapassa os R$ 4,00: “Dólar atinge R$4,05, a maior cotação da história do Real (Estado de S. Paulo), “Dólar bate recorde e cai a R$ 3,99” (O Globo) ou “Dólar é vendido até R$ 4,56 na capital baiana” (A Tarde). Uma desvalorização de 67% em relação ao dólar, apenas num ano! Cerca de 5% ao mês.
Esta situação não pode deixar de causar apreensão aos portugueses pelas suas ligações familiares e emocionais ao Brasil, mas também obriga muita gente deste lado do Atlântico a pensar nas vantagens/desvantagens de estarmos integrados na Zona Euro e não podermos usar o mecanismo da desvalorização da moeda.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Uma luz portuguesa nos mares da China

A edição de hoje do jornal Tribuna de Macau – um dos quatro jornais macaenses que se publicam em português – assinala o 150º aniversário da entrada em funcionamento do farol da Guia que, segundo os registos, acendeu pela primeira vez no dia 24 de Setembro de 1865.
O farol da Guia foi o primeiro farol de características modernas que serviu no Extremo Oriente, tendo sido instalado na fortaleza da Guia que fora construida em 1622 quando os holandeses ameaçavam o território e que, poucos anos depois, veio a ser destruida por opção das autoridades macaenses.
O farol encontra-se sobre o monte da Guia que tem 108 metros de altitude, estando junto da capela de Nossa Senhora da Guia e assenta numa torre de alvenaria com 13,5 metros de altura e 7 metros de diâmetro, tendo sido electrificado em 1910.
O monte da Guia é um local arborizado e de grande tranquilidade, que contrasta com o ambiente citadino e com o intenso ritmo de vida que decorre à sua volta. A vista panorâmica que dele se desfruta é soberba e, em dias de boa visibilidade, podem avistar-se os territórios de Hong Kong. Significa que, para além da sua importância fundamental como ajuda à navegação, o farol da Guia se enquadra numa das mais belas paisagens de Macau. Desde 2005 que faz parte do conjunto patrimonial que foi classificado pela UNESCO como Património Mundial e a evocação da sua entrada em funcionamento há 150 anos  é muito oportuna e um sinal de que algumas boas memórias culturais portuguesas perduram em Macau.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

VW: afinal até a Alemanha tem batoteiros

Uma das maiores empresas mundiais do sector automóvel está a ser acusada pelas autoridades americanas de grosseira manipulação às emissões poluentes em vários dos seus modelos das marcas Volkswagen e Audi, que utilizam o gasóleo como combustível. Segundo foi relatado, os carros foram equipados com um dispositivo que fazia com que os mecanismos de redução de emissões fossem activados apenas quando o modelo estava a ser testado e que, na circulação normal, este dispositivo era desligado e, portanto, o carro poluía entre 10 a 40 vezes mais do que os limites permitidos por lei.
Foi um escândalo em larga escala e as acções do grupo automóvel alemão afundaram 23% na bolsa de Frankfurt num só dia. O jornal francês Le Télégramme chamou-lhe uma onda de choque, mas houve quem se lhe tivesse referido como um tsunami, como uma hecatombe ou como uma fraude, mas há suspeitas de que outros construtores de automóveis internacionais também estejam a actuar fora da lei.
Verifica-se, portanto, que não foi só a gananciosa banca que fez batota em vários países, pois a indústria automóvel parece ter seguido os mesmos princípios da ganância e do lucro a qualquer preço, sem que os poderes políticos tivessem prevenido essas situações que ameaçam agravar a crise mundial em que estamos desde 2008. O Papa tinha razão quando disse que "esta economia mata", tal como aqueles que criticam este vale tudo neoliberal, em que a ganância do dinheiro e do lucro estão acima da condição humana.
Porém, o que é mais chocante é o facto de ser a Alemanha, que se apresentava como a força da virtude, do rigor e da razão numa Europa sem rumo, a ser apanhada nas malhas desta monumental batota. Angela Merkel e Wolfgang Schäuble que tanto nos humilharam com a sua intransigência e arrogância, devem estar verdadeiramente envergonhados com tudo isto, tal como os seus submissos aliados lusitanos.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Tsipras vence na Grécia e a luta continua

Nas eleições legislativas realizadas no passado mês de Janeiro, os gregos deram a vitória ao Syrisa com 36,34% dos votos (149 deputados), enquanto o seu principal adversário, que é a Nova Democracia, obteve 27,81%. Alexis Tsipras foi eleito com a promessa de acabar com a austeridade e foi nomeado chefe do governo, mas o país estava muito endividado devido à má gestão dos anteriores governos e da enorme corrupção que abala o país. Por isso, em Junho a Grécia deixou de pagar os seus compromissos junto dos credores internacionais. Estes fizeram depender a concessão de novos apoios da aceitação de mais austeridade, como a subida de impostos e os cortes nas pensões. Tsipras ficou “entre a espada e a parede”. Os bancos fecharam para evitar a corrida descontrolada aos depósitos e a Grécia esteve próximo do abismo. Pressionado interna e externamente, Tsipras convocou em Julho um referendo para que os gregos aceitassem ou rejeitassem o novo pacote de austeridade que lhes estava a ser imposto, tendo 61% do eleitorado rejeitado as imposições externas para receber ajuda financeira. Apesar disso, em face das ameaças, das circunstâncias e “para evitar um desastre”, Tsipras aceitou um acordo com os credores, com medidas ainda mais duras do que aquelas que o referendo rejeitara. Tsipras foi ridicularizado pelos seus parceiros europeus, pelas instituições e até por alguns dos seus companheiros de percurso, como Yanis Varoufakis. Sem apoio e com o seu partido dividido, em Agosto renunciou à chefia do governo. Os falcões da finança rejubilaram com a derrota de Tsipras e todos pensaram que tinha sido inventada uma vacina global contra a ameaça de novos syrisas, sobretudo na Europa do Sul. Num acto de gritante falta de solidariedade, os nossos governantes foram impiedosos na forma como hostilizaram a Grécia e Alexis Tsipras e, sem ponta de vergonha, trataram de trazer o humilhante caso grego para a nossa campanha eleitoral como factor de amedrontamento.
Ontem, nas eleições antecipadas, os gregos deram um voto de confiança a Alexis Tsipras, pois o Syrisa obteve 35,5% dos votos (145 deputados), enquanto a Nova Democracia se ficou pelos 28%. Alexis Tsipras já tomou posse como chefe do governo grego e disse que “hoje na Europa, a Grécia e o povo grego são sinónimos de luta pela dignidade”. Será que, mesmo com um sorriso amarelo, o nosso 1º Ministro já felicitou o seu colega Alexis Tsipras?

domingo, 20 de setembro de 2015

O Papa à procura da paz nas Américas

O Papa Francisco iniciou hoje uma visita de três dias a Cuba, a que se seguirão mais cinco dias nos Estados Unidos. Diz-se que é a sua viagem mais política e que também é uma das suas viagens mais difíceis e, de facto, alguns jornais americanos, caso do New Yok Post, ilustraram a sua primeira página com a fotografia do Papa a desembarcar no aeroporto de Havana com uma pasta na mão, o que sugere que vai numa viagem essencialmente de trabalho. Subjacente a esta viagem está o papel que o Papa teve no restabelecimento de relações diplomáticas entre Havana e Washington, facto que veio dar muito alento aos defensores na paz no mundo, mas também os seus esforços para que haja uma efectiva reconciliação entre Cuba e os Estados Unidos.
Em Cuba o Papa argentino procurará que a democratização do regime cubano se concretize rapidamente, que acabem as prisões e os presos políticos, que seja restaurada a liberdade de imprensa e que sejam respeitados os direitos dos cidadãos, pois essas são as condições prévias para o progresso económico e para a prosperidade do povo cubano. Depois, nos Estados Unidos, Francisco será o primeiro Papa a ser recebido na Casa Branca e, pela primeira vez também, um Papa discursará no Congresso, onde não deixará de criticar “uma economia que mata e cria desgraças”. Na sua agenda, vai levar uma mensagem de apelo ao fim do embargo americano contra Cuba que vigora desde 1962, mas também outros assuntos de grande sensibilidade e importância mundial, embora possa vir a ter a hostilidade de alguns sectores americanos mais conservadores que o têm criticado e acusado de ser terceiro-mundista, marxista e anticapitalista. De entre esses assuntos, estará certamente a crise dos refugiados que têm procurado abrigo na Europa mas, mais importante ainda, estará uma forte condenação das guerras na Síria e em outras regiões do mundo, assim como do tráfico internacional de armas praticado por países e organizações que dizem querer a paz. Parece que os Estados Unidos e a Rússia já começaram a discutir o assunto, agora mais a sério. Se necessário, o Papa que está em Havana e que vai a Nova York, também poderá ir a Moscovo, a Damasco e até a Teerão.

sábado, 19 de setembro de 2015

Por favor, livrem-nos dos banqueiros...

Durante muitos anos os bancos foram considerados como pilares do sistema económico pois prestavam serviços financeiros, isto é, captavam dinheiro dos clientes, ficavam devedores e depois restituiam-lhe capital e juros (operações passivas) e com esse capital concediam crédito a outros clientes, ficavam credores e depois recebiam deles capital e juros (operações activas). Depois, a banca passou a fazer outras operações a que chamou serviços bancários e envolveu-se nas mais diversas operações de gestão e de risco, com o objectivo de maximizar o seu insaciável lucro. Com o crescimento da economia mundial, a banca tornou-se poderosa e influente, passou a comandar o sistema financeiro e até o sistema político, muitas vezes através de actividades especulativas ou mesmo fraudulentas. Ao escândalo da falência do Lehmon’s Brothers seguiram-se outros escândalos e, segundo li, “só nos Estados Unidos faliram 380 bancos comerciais”. A falência do sistema bancário na Islândia fez com que meio milhão de depositantes perdessem as suas poupanças, enquanto na Irlanda, na Grécia, em Chipre e na generalidade dos países europeus, também muitos bancos faliram. Aqui tivemos o BPN, o BPP e o BES. Com este catastrófico desempenho da banca, era de admitir que os banqueiros se calassem e que se enchessem de vergonha. Porém, isso não está a acontecer e a sua interferência na vida política continua activa e passa as marcas do aceitável. Ontem tivemos a agência Standard and Poor’s (S&P) a melhorar o rating de longo prazo de Portugal, numa postura inoportuna, pois interfere com a campanha eleitoral. Hoje, a imprensa espanhola destaca que “a banca toma partido contra a independência” e ameaça retirar-se da Catalunha se a decisão eleitoral dos catalães no dia 27 de Setembro for no sentido da independência. Depois da vergonha que tem sido a especulação fraudulenta da banca, os banqueiros ainda têm o atrevimento de se manifestar. Ao menos calem-se!

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

União Europeia está sem rumo e à deriva

São terríveis e muito dolorosas as imagens e as notícias que diariamente nos chegam sobre os refugiados que procuram fugir às guerras, de cujas responsabilidades os líderes europeus não estão isentos. É um retrato de uma Europa sem rumo, incapaz de sair da sua zona de conforto e definir uma estratégia comum de solidariedade para com os que procuram a paz, esquecendo um passado recente em que ela própria gerou milhões de refugiados. Essa incapacidade agora evidenciada de forma chocante nas fronteiras da Hungria, mas também nas medidas já tomadas pelas autoridades alemãs, austríacas, eslovacas, eslovenas e croatas, já se tinha revelado em relação à política internacional e, em especial, na forma desordenada como alguns dos seus membros actuaram militarmente no Iraque, na Líbia e na Síria. Da mesma forma, as suas posições na Ucrânia não auguram nada de bom. Além disso, a União Europeia não tem sido capaz de assumir políticas comuns viradas para o crescimento e para o emprego, estando cada um dos seus estados-membros a refugiar-se nos seus interesses nacionais e num absoluto egoismo, incompatível com o espírito do Tratado de Roma.
Paradoxalmente (ou não) os dirigentes da União Europeia têm-se mostrado muito activos em relação à crise financeira que tem penalizado gravemente os países do sul, mostrando-se intransigentes em relação às suas “dívidas soberanas”e aos juros especulativos que lhes são cobrados, que põem em causa a sua própria sobrevivência. Essa intervenção, em que se tem destacado o Eurogrupo e um tal Jeroen Dijsselbloem, tem sido um rotundo falhanço, uma constante manipulação do medo e da incerteza e uma permanente ameaça, principalmente para os gregos, mas também para os portugueses, os espanhóis, os italianos e os cipriotas. Porém, enquanto para tratar da governação, da dívida e do futuro da Grécia se fizeram maratonas de reuniões, o drama dos refugiados apanhou Bruxelas de surpresa e mostrou que a solidariedade europeia é uma farsa. É caso para perguntar a Durão Barroso, que tão activo esteve no apoio à invasão do Iraque, porque não pensou que as guerras que alimentou, ou não contrariou, haveriam de gerar a multidão de refugiados que estão a chegar à Europa. Ele e a sua corte de assessores não pensaram nisso.
A União Europeia está mesmo sem rumo e à deriva!

A pressão internacional sobre os catalães

Aproxima-se o dia 27 de Setembro em que se vão realizar as eleições regionais na Catalunha e em que, mais importante do que escolher o novo Parlamento e o futuro Chefe do Governo, os catalães vão expressar a sua vontade quanto à sua independência e à separação da Espanha. De acordo com o que se vai lendo na imprensa espanhola, em que uma parte está alinhada com o soberanismo catalão e outra parte com o centralismo madrilista, as intenções de voto nas duas correntes estão muito próximas e o resultado eleitoral é imprevisível.
Porém, a diplomacia espanhola tem estado muito activa e até Filipe VI visitou Barack Obama, sucedendo-se declarações dos maiores líderes ocidentais, como salientou na sua primeira página o diário conservador ABC, um dos periódicos que mais tem atemorizado os catalães com os riscos da sua deriva independentista. Ontem, o jornal juntou declarações de Barack Obama - “queremos uma Espanha forte unida”, Angela Merkel – “há que respeitar a legalidade internacional”, David Cameron - “quem se separa já não faz parte da União Europeia”, François Hollande – “desejamos uma Espanha forte e unida como agora” e Jean-Claude Juncker - “a Europa não aceita uma Catalunha independente”.
Não é habitual um jornal tomar uma posição editorial tão afastada da neutralidade, da verdade, do rigor, da isenção e da independência, que devem ser as normas jornalísticas por excelência. Porém, neste caso e como diria o nosso Luís de Camões, “cesse tudo o que a musa antiga canta, que outro poder mais alto se alevanta”... Além disso, o jornal é frontal no seu posicionamento, não engana, não insinua, não usa a manha e não vende gato por lebre.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

O preço da irresponsabilidade da banca

Um estudo do BCE hoje divulgado na imprensa, revela que entre 2008 e 2014, cada português já pagou 1950 euros para salvar bancos, isto é, o Estado já gastou 19,5 mil milhões de euros (11,3% do PIB) no apoio ao sector financeiro. É muito dinheiro! Embora este apoio seja menor do que aquele que foi concedido na Irlanda (31,1%), na Grécia (22,1%) e em Chipre (18,8%), o facto é que o BCE “dá nota muito negativa a Portugal”, sobretudo pela incapacidade que tem demonstrado para recuperar essa ajuda.
Este valor de 19,5 mil milhões de euros líquidos, engloba os diversos tipos de intervenção feitos pelo Estado ao longo da grave crise financeira nascida nos Estados Unidos com a vigarice dos subprimes e a falência do Lehman Brothers e que, em Portugal, se iniciou com a nacionalização do BPN, passou por outras intervenções no sistema bancário como o empréstimo de capital contingente ao BPI, CGD, BCP e Banif (que também teve uma injecção de fundos) e cujo capítulo final foi a intervenção no BES/Novo Banco, através do Fundo de Resolução.
A discriminação desses 19,5 mil milhões de euros é pouco transparente, vá-se lá saber porquê... Até finais de 2014 a factura real do BPN já atingia 2691 milhões de euros, enquanto 3900 milhões de euros eram emprestados ao Fundo de Resolução para resolver o Novo Banco. A execução de garantias do BPP já custou 450 milhões de euros. E há os empréstimos ao BPI (já integralmente devolvido), à CGD, ao BCP, ao Banif e  eu sei lá mais a quem, ou seja, são 19,5 mil milhões de euros, segundo o BCE!
O facto é que sabemos pouco disto, embora saibamos que no essencial a banca continua arrogante e “a comer e a beber” do melhor, como se nada tivesse acontecido. Porém, este estudo do BCE tem a virtude de provar que a difícil situação por que temos passado resulta desta irresponsabilidade da banca e de quem a geria e que não é, sobretudo, a consequência de má governação ou de termos vivido acima das nossas possibilidades, como nos últimos anos tem sido muito repetido.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Um mentiroso compulsivo e sem emenda

Uma das questões que tem provocado mais ruido na discussão pré-eleitoral em que a política portuguesa está envolvida é a de saber quem chamou a troika e quem assinou o Memorando de Entendimento. Se em relação ao Memorando assinado no dia 17 de Maio de 2011 todos nos lembramos de ver Eduardo Catroga a participar em reuniões acompanhado pelo actual Comissário Moedas e a afirmar que o nosso problema eram apenas as “gorduras do Estado”, já em relação à vinda da troika podia haver dúvidas. Sabemos que a Comissão Europeia de Durão Barroso e o BCE de Jean-Claude Trichet saudaram e apoiaram o PEC4, que teria permitido enfrentar as dificuldades, evitar o resgate e a vinda da troika com o seu programa que nos humilhou, mas esse documento veio a ser chumbado no Parlamento pela oposição. Sabemos que esse chumbo levou à queda do governo no dia 23 de Março de 2011. Hoje, ficamos a saber, através de uma carta divulgada pelo jornal Público que, no dia 31 de Março de 2011, Passos Coelho se dirigiu ao então Primeiro-Ministro já demissionário e lhe afirmou que o seu partido “não deixará de apoiar o recurso aos mecanismos financeiros externos, nomeadamente em matéria de facilidade de crédito para apoio à balança de pagamentos”. Para quem tem repetidamente afirmado nada ter a ver com a vinda da troika, nem com o conteúdo do Memorando, esta carta e as imagens da televisão de que nos recordamos, confirmam como este homem vive num mundo de continuada mentira. Fica demonstrado que, depois de chumbar o PEC 4 e a solução negociada que Barroso, Trichet e Merkel apoiavam, uma semana depois já afirmava que não deixaria de apoiar a vinda da troika, quando o governo já demissionário ainda estava atordoado pelo chumbo do PEC 4. Era seguramente o que ele queria. Parece, pois, que foi Passos quem primeiro falou do auxílio externo ou da vinda da troika. De resto, é evidente que a troika só viria para Portugal se os dois grandes partidos estivessem de acordo e até nem é importante saber qual foi o menino que primeiro levantou o dedo. O resto é conversa.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

A campanha eleitoral vem aí. Votemos!

A campanha eleitoral para as Eleições Legislativas vai decorrer de 20 de Setembro a 2 de Outubro e a votação decorrerá no dia 4 de Outubro. Embora eu não tenha a intenção de trazer a campanha eleitoral para a Rua dos Navegantes, vou aproveitar estes dias de pré-campanha para aqui deixar alguns comentários ou um breve testemunho. Eu entendo que os cidadãos só beneficiam com a alternância do poder e que as eleições são um julgamento do que foi ou não foi feito, mas que também servem para comparar promessas não cumpridas e para darmos ,ou não, a nossa confiança a quem se propõe tomar o exercício do poder.
Todos sabemos o que se passou nos últimos quatro anos, em que a nossa riqueza e a nossa economia decresceram, em que a nossa dívida pública aumentou, em que foram destruidos muitos milhares de postos de trabalho e se criou um exército de desempregados, com uma parte substancial da nossa população a entrar em risco de pobreza e com muita gente a emigrar. Foi devastador. Foi o aumento enorme do IVA e do IRS. Foram a criação de taxas de sustentabilidade e de solidariedade, a extinção de quase todos os benefícios fiscais, os cortes nos 13º e 14º mês, o corte dos feriados, o corte nas indemnizações por despedimento, o aumento dos preços dos transportes, das custas judiciais, das despesas de educação e saúde, para além de pagarmos, mais caro que a maior parte dos europeus, a gasolina, o gás, a água e a electricidade. A ameaça e a incerteza foram permanentes. Os salários e as O governo tem apresentado alguns resultados positivos verificados nos últimos meses nas exportações e no turismo, mas não são obra sua e, infelizmente,  são uma caricatura relativamente ao que aconteceu na Espanha e até na Grécia. O governo falhou em quase tudo a coberto do memorando e da troika, incluindo as privatizações feitas à pressa e por razões ideológicas, a intervenção no BES sem proteger as poupanças dos emigrantes, a distribuição abusiva de subsídios às escolas privadas, a instabilização nas Forças Armadas e de Segurança, a promoção dos hospitais privados e o ataque ao SNS. Há um enorme descontentamento nos médicos e nos professores, nos polícias, nos enfermeiros, nos militares e o futuro é sombrio num país cujos governantes submissos deixaram que a dignidade nacional fosse humilhada.
Os resultados da governação Passos-Portas são tão maus e eles são tão impopulares que muitos dos seus correlegionários não se lhes chegam e temos o presidente do PSD a andar às costas desse malabarista chico-esperto que é o presidente do CDS, que não tem votos nem popularidade e que não passa de um irrevogável que dá o dito por não dito. São homens vulgares, sem carreiras profissionais fora da política e sem grandes recursos intelectuais, sem ideias e sem projectos, denunciados como mentirosos e como manipuladores da verdade, que usam pequenos golpes baixos para desviar as atenções do essencial, mas que souberam rodear-se de uma corte de fiéis, sobretudo dos que querem segurar o seu tacho ou que aspiram a ser contemplados com um qualquer lugar de assessor ou de consultor ,com três ou quatro mil euros por mês, mesmo que tenham apenas 21 anos.
Porém, a realidade é bem mais negativa e negra do que aquilo que a propaganda oficial se esforça por fazer crer, com o apoio de muitos jornalistas que decidiram ser escandalosamente servis, o que é uma desonra para a sua profissão. Não é preciso mais nada a não ser observar. A campanha eleitoral vem aí. Votemos!

sábado, 12 de setembro de 2015

Sim ou não à independência da Catalunha

A Catalunha celebrou ontem a sua Festa Nacional, habitualmente conhecida como Diada Nacional de Catalunya, ou simplesmente Diada. A habitual festa popular que assinala a data mobilizou cerca de um milhão e meio de pessoas, tendo-se transformado numa monumental manifestação de apoio à independência da Catalunha e ocupado a grande Avenida Meridiana em Barcelona, como hoje mostra a primeira página do La Vanguardia.
O ideal independentista catalão está relacionado com o dia 11 de Setembro de 1714 quando,  depois de um cerco que durou 14 meses, a cidade de Barcelona caiu perante um exército de 40 mil homens. A queda de Barcelona determinou o fim da guerra da Sucessão (1702-1714) que tinha confrontado a Catalunha e Aragão com Castela, no contexto de um conflito à escala europeia que se tornara,  também, uma guerra civil em Espanha. Pouco tempo depois foram abolidas as instituições catalãs e iniciou-se um processo repressivo e de imposição do centralismo castelhano que durou até ao fim do franquismo. Porém, o orgulho catalão não desapareceu. Com a restauração da Monarquia e da Democracia foram restauradas as autonomias espanholas e a Catalunha recuperou as suas instituições e, sobretudo, o seu ideal independentista.
Nos últimos anos os partidos independentistas que recusam o centralismo e defendem a separação da Catalunha da Espanha ganharam muitos adeptos. Depois do governo de Madrid ter recusado às autoridades catalãs o direito de organizar um referendo como fez a Escócia, o governo da Catalunha forçou a realização de eleições regionais antecipadas para o próximo dia 27 de Setembro. As sondagens apontam para uma elevada probabilidade de vitória das forças independentistas, o que pode significar o início de um processo de separação ou mesmo de uma declaração unilateral de independência. Faltam apenas duas semanas para que as eleições catalãs se possam transformar numa autêntica e imprevisível caixa de Pandora. Ontem a Diada foi um acontecimento mobilizador. 

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Isabel II, o mais longo reinado britânico

A rainha Isabel II, cujo título oficial completo é Sua Majestade Elizabeth Alexandra Mary Segunda, com a Graça de Deus, da Grã-Bretanha, Irlanda do Norte e territórios de Além Mar, Rainha da Comunidade Britânica e Defensora da Fé, torna-se hoje a monarca com o mais longo reinado da história britânica, ultrapassando o recorde da rainha Victoria, a sua trisavó, sendo esse facto assinalado por diversos jornais, como por exemplo The Daily Telegraph.
A rainha Victoria nasceu em 1819 e faleceu em 1901, tendo o seu reinado durado 63 anos e 7 meses e ficado conhecido como a era victoriana, que foi um período de grande mudança industrial, cultural, política, científica e militar na Grã-Bretanha, marcando a expansão e a hegemonia global do Império Britânico. Teve nove filhos e quarenta e dois netos que, através do casamento com membros de outras famílias reais e da nobreza europeia, a tornaram um referencial familiar para a Europa e lhe valeram a alcunha de “a avó da Europa”. Os maridos da rainha Victoria (Francisco Alberto) e da rainha D. Maria II de Portugal (Fernando) eram primos e membros da Casa de Saxe-Coburgo Gota, isto é, as casas reais inglesa (Windsor) e portuguesa (Bragança) tinham relações familiares.
À rainha Victoria sucederam Eduardo VII, Jorge V, Eduardo VIII, Jorge VI e Isabel II. A rainha Isabel II iniciou o seu reinado em 1952 e hoje é a rainha do Reino Unido e de quinze outros estados independentes, além de chefe da Commonwealth, que é constituída por 53 estados. Os seus biógrafos afirmam que ela conheceu 6 Papas, 10 Presidentes dos Estados Unidos e 12 Primeiros-Ministros britânicos.
Para quem não é monárquico e conhece muitas das mal-feitorias feitas pelos ingleses ao seu velho aliado lusitano, a longevidade da monarca não mereceria especial destaque, mas o seu serviço voluntário como simples motorista do Auxiliary Territorial Service durante a II Guerra Mundial e sob os bombardeamentos aéreos de Londres, foi um acto de coragem que sempre mereceu a nossa admiração.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Brasil protesta em dia de independência

O dia 7 de Setembro é, oficialmente, o Dia da Independência do Brasil. Nesse dia do ano de 1822 nas margens do pequeno rio Ipiranga, num local que hoje foi absorvido pela malha urbana da cidade de São Paulo, o Príncipe Regente do Brasil D. Pedro de Alcântara de Bragança tomou a decisão de liderar o processo de independência daquela colónia portuguesa. A História regista essa decisão como o chamado “grito do Ipiranga” e, cerca de um mês depois, o príncipe foi proclamado Imperador do Brasil com o nome de D. Pedro I. Assim começou a história do Brasil moderno que, daqui a sete anos vai celebrar o seu bicentenário.
Todos os países têm uma ou mais datas que marcam a sua História e que, juntamente com a bandeira, o hino, a língua e o território, reforçam a unidade e a identidade nacionais: os Estados Unidos têm o 4 de Julho (Dia da Independência), a França tem o 14 de Julho (Tomada da Bastilha), a Índia tem o 26 de Janeiro (Dia da República), Portugal tem o 10 de Junho (Dia de Camões) e o Brasil tem o 7 de Setembro.
Porém, este ano não houve festa no Brasil e, em vez dela, houve largo protesto e muita indignação porque a crise política é grave, a economia está em recessão com a inflação e o desemprego a subirem e a popularidade da Presidente Dilma Rousseff em níveis muito baixos. O tradicional desfile da independência que se realizou em Brasília foi pouco participado e não mobilizou a população, embora o discurso presidencial tivesse agradado a muita gente, como hoje salienta o Correio Braziliense ao destacar que Dilma “fez mea-culpa”. De facto, no seu discurso a Presidente disse que “se cometemos erros, vamos superá-los e seguir em frente”. Não é habitual que os governantes tenham a lucidez de admitir ter errado e, por isso, essa declaração deve dar esperança e ânimo aos brasileiros.
E, já agora, os meus parabéns pelos 193º aniversário do Brasil!

domingo, 6 de setembro de 2015

Refugiados sim, mas acabem com a guerra

As imagens que nos chegam pelas televisões e as fotografias que ilustram as primeiras páginas dos jornais são aterradoras e têm feito despertar a Europa que, desde há muito tempo, vinha revelando alguma indiferença perante a tragédia humanitária que a guerra na Síria e no Iraque está a provocar. Este “long walk to freedom” como ontem se lhe referiu o diário The Scotman, é uma das consequências de uma guerra, brutal com todas as guerras, que ocorre na Síria há quase cinco anos, na qual alguns Estados europeus, designadamente o Reino Unido, a Alemanha e a França, têm apoiado uma das partes do conflito com armamento e dinheiro, em vez de procurarem a paz, sem que as suas opiniões públicas questionem os respectivos governos sobre essa sua cegueira política e ausência de visão estratégica.
Tal como já acontecera no Iraque e na Líbia, a política europeia em relação à Síria, tem contribuido para a desagregação e a destruição do país e dado origem a uma tragédia humanitária com milhões de refugiados, não só internamente, mas também nos estados vizinhos e, agora, em direcção à Europa. A guerra civil que se trava entre o governo de Bashar al-Assad e as várias oposições tem sido cada vez mais “uma guerra por procuração”, em que se confrontam rivalidades religiosas e interesses económicos, representados de um lado pela Turquia, a Arábia Saudita e o Qatar e, do outro lado, pelo Irão, o Líbano e uma parte do Iraque. Igualmente envolvidos nessa guerra, estão os Estados Unidos, a Rússia e os países europeus já referidos, enquanto a posição que o Estado Islâmico atingiu na região é relevante, embora com alguma cumplicidade ocidental, porque o negócio do armamento é vital para as suas economias.
É preciso que toda esta gente se entenda para acabar com a guerra e que os povos da Europa e dos Estados Unidos  se manifeste e exija esse caminho aos seus governos!
Um refugiado sírio de 13 anos de idade que chegou à Europa foi entrevistado pela Al Jazeera e, sem hesitação, disse: "Nós não queremos vir para a Europa. Só queremos que parem a guerra na Síria". Ele tem toda a razão.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Bodrum e a má consciência da Europa

Bodrum é uma cidade turca situada nas margens do mar Egeu que nos últimos anos se tornou numa das mais atraentes estâncias balneares, para onde se dirige a sociedade turca mais ocidentalizada e mais próspera. Ontem, nas areias de uma das suas praias mais procuradas apareceu o cadáver de Aylan Kurdi, uma criança síria de três anos de idade, cuja família fugia da guerra no seu país e procurava atingir a ilha grega de Kos, numa pequena embarcação que naufragou. A generalidade da imprensa mundial publicou nas suas primeiras páginas uma fotografia em que um militar turco recolhe o corpo de Aylan Kurdi. A imagem daquele menino tornou-se o símbolo da grave crise migratória que já provocou milhares de mortos entre a multidão de refugiados que foge à guerra e essa fotografia fez tremer a consciência de uma Europa que se tem mostrado incapaz de promover a paz no mundo e, em especial, nas suas fonteiras mediterrânicas. É a maior e mais grave crise de refugiados desde a 2ª Guerra Mundial e o influente jornal The Washington Post classificou aquela imagem como "o mais trágico símbolo da crise de refugiados do Mediterrâneo". No caso da Síria, mas não só, as grandes potências têm enormes responsabilidades nas tragédias humanitárias que estão a acontecer, pois foram elas que promoveram a instabilidade regional e que têm alimentado a guerra. Espera-se agora que, perante o dramatismo do que se viu no areal de Bodrum, a imprensa influencie, as opiniões públicas reajam e os dirigentes das grandes potências arrepiem caminho em nome dos ideais humanitários que os deveriam nortear, quando muitas das más memórias de um passado recente ainda estão vivas. A tragédia de Bodrum alerta-nos para os nossos deveres morais de apoiar os refugiados e exige que se ponha fim da guerra.
Nesta Europa tão egoísta e a revelar tanta falta de valores e tão má consciência, há entidades públicas e muitas organizações da nossa sociedade civil a dar mostras de grande solidariedade e humanidade e, desta forma, a honrar a tradição portuguesa de acolhimento a refugiados e, também, a memória de Aristides de Sousa Mendes.

É evidente que vamos pagar o Novo Banco

Todos nos lembramos do famoso diktat do homem do leme que em Julho de 2014, durante uma visita à Coreia do Sul, garantiu a partir de Seul que “os portugueses podem confiar no Banco Espírito Santo”, acrescentando que “o Banco de Portugal tem sido peremptório e categórico a afirmar que os portugueses podem confiar no Banco Espírito Santo dado que as folgas de capital são mais que suficientes para cumprir a exposição que o banco tem à parte não financeira, mesmo na situação mais adversa”. Duas semanas depois a bomba estoirou. Cavaco enganara os portugueses. No dia 3 de Agosto o Banco de Portugal anunciou uma injecção de capital de 4.900 milhões de euros e a criação de um "banco mau" e de um "banco bom", que passou a chamar-se Novo Banco. Nesse mesmo dia, através da ministra das Finanças, o governo garantiu que os contribuintes não teriam de suportar os custos relacionados com o financiamento do BES e que a nova instituição seria detida integralmente pelo Fundo de Resolução, uma pessoa coletiva de direito público criada em 2012, que funciona junto do Banco de Portugal.
Passou um ano e está tudo na mesma ou pior. Entre Agosto e Dezembro do ano passado o Novo Banco registou prejuízos de 467 milhões de euros e, no primeiro semestre de 2015, o prejuízo foi de 252 milhões de euros. É obra! Entretanto, o Banco de Portugal que, como alguém disse, sabe tanto da venda de bancos como o Jorge Jesus de literatura portuguesa, tratou de contratar assessores e consultores por ajuste directo e a respectiva factura já atinge 20 milhões de euros. Um regabofe!
Mesmo a poucas semanas das eleições legislativas, o governo quer vender tudo e depressa mas, como diz o ditado popular, “depressa e bem não há quem”. Além disso, nem a Anbang, nem a Fosun, nem a Apollo estão realmente interessadas num negócio em que são imprevisíveis os custos das litigâncias e das imparidades. Apesar da confidencialidade do processo de venda, é hoje evidente que o Estado não vai recuperar os 4.900 milhões de euros que, obviamente, serão pagos pelos contribuintes através das mais diversas formas. Ninguém tem dúvidas disso. Aqueles que disseram o contrário mentiram ou são absolutamente incompetentes. Alguns deles ainda têm o atrevimento de aparecer na televisão a embrulhar as suas responsabilidades. Que impunidade e que grande farsa!